Aspectos Jurídicos do SAFE (Simple Agreement for Future Equity) no Brasil
11 de jun. de 2025
Aspectos Jurídicos do SAFE (Simple Agreement for Future Equity) no Brasil
Introdução
O cenário de inovação e empreendedorismo no Brasil tem impulsionado o uso de instrumentos financeiros alternativos para a captação de recursos por startups. Dentre esses, o SAFE (Simple Agreement for Future Equity) vem ganhando destaque como uma ferramenta prática e desburocratizada, especialmente inspirada no modelo norte-americano. Contudo, a ausência de regulamentação específica e a adaptação do instrumento ao ordenamento jurídico brasileiro levantam questões relevantes quanto à sua natureza, aplicabilidade e segurança jurídica para investidores e empreendedores.
1. O que é o SAFE?
O SAFE é um acordo simples que confere ao investidor o direito de, futuramente, converter o valor investido em participação societária na startup, normalmente em uma rodada de captação subsequente ou em um evento de liquidez. Caracterizado pela sua simplicidade e rapidez na execução, o SAFE dispensa a definição imediata de valuation e outros detalhes complexos que costumam ser negociados em operações de equity tradicionais.
2. Natureza Jurídica do SAFE
2.1. Instrumento Contratual Híbrido
Apesar de ser amplamente utilizado no mercado de startups, o SAFE apresenta uma natureza híbrida, pois:
• Não se caracteriza como dívida tradicional: Não há, de início, a obrigação de pagamento de juros ou amortização do principal.
• Tampouco se configura como equity imediata: O investidor não adquire, de imediato, uma participação societária, mas um direito futuro de conversão.
Essa característica híbrida exige uma análise acurada sob o prisma do direito contratual e societário, tendo em vista que o instrumento deve respeitar os princípios da autonomia da vontade e da boa-fé, pilares do contrato segundo o Código Civil brasileiro.
2.2. Interpretação e Enquadramento no Ordenamento Jurídico
Na ausência de uma regulamentação específica para o SAFE no Brasil, os juristas têm buscado interpretá-lo com base nos dispositivos gerais dos contratos. Algumas interpretações apontam que:
• O SAFE pode ser considerado um contrato preparatório para uma futura emissão de quotas ou ações, vinculando as partes a um evento de conversão.
• É necessário que o instrumento contenha cláusulas claras quanto aos critérios de conversão, como o valuation cap, a taxa de desconto e os eventos desencadeadores para a efetivação da conversão em equity.
Essa clareza é essencial para mitigar riscos de disputas judiciais e garantir que as intenções das partes sejam efetivamente cumpridas.
3. Aspectos Regulatórios e Desafios de Implementação
3.1. Lacunas na Regulação
Diferentemente dos Estados Unidos, onde o SAFE é amplamente reconhecido e praticado, o Brasil ainda não dispõe de uma legislação específica que regule o instrumento. Essa ausência de normatização gera incertezas quanto a:
• Efeitos jurídicos do acordo: A interpretação dos tribunais pode variar, especialmente em situações de conflito ou descumprimento das obrigações.
• Adequação às normas societárias: A conversão do SAFE em participação societária precisa ser alinhada com a legislação aplicável às sociedades empresariais, o que pode demandar ajustes no contrato social ou estatuto da empresa.
3.2. Adequação às Exigências do Marco Legal das Startups
Com a promulgação do Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021), o ambiente regulatório brasileiro passou a oferecer alguns subsídios para instrumentos de investimento inovadores. Embora o SAFE não tenha sido especificamente mencionado, os princípios de estímulo à inovação e à desburocratização podem servir de base para a sua utilização, desde que adaptado às exigências legais locais.
4. Riscos e Considerações Práticas
4.1. Para Startups
• Incerteza quanto à conversão: Sem critérios bem definidos, a conversão do SAFE em equity pode ocasionar conflitos futuros, inclusive relacionados à diluição dos fundadores.
• Impacto na governança: A eventual entrada de novos investidores por meio da conversão pode demandar alterações no contrato social, influenciando a estrutura de poder dentro da empresa.
4.2. Para Investidores
• Risco de não realização do evento de conversão: Se o evento desencadeador previsto não ocorrer, o investidor pode ficar sem a efetiva conversão do investimento, resultando em menor proteção jurídica.
• Falta de garantias imediatas: Por não configurar, inicialmente, uma participação societária, o investidor não possui mecanismos de controle ou veto sobre decisões estratégicas da startup até que a conversão seja efetivada.
4.3. Mitigação de Riscos
A fim de reduzir as incertezas associadas ao uso do SAFE no Brasil, recomenda-se:
• Clareza e detalhamento contratual: Inserção de cláusulas precisas sobre os critérios de conversão, prazos, condições e possíveis consequências em caso de descumprimento.
• Consultoria jurídica especializada: A atuação de advogados com experiência em direito societário e venture capital é fundamental para a redação e negociação do instrumento, garantindo maior segurança para ambas as partes.
• Previsão de mecanismos de resolução de conflitos: Inclusão de cláusulas de arbitragem ou mediação pode facilitar a solução de controvérsias decorrentes do contrato.
Conclusão
O SAFE representa uma ferramenta inovadora para a captação de recursos em startups, oferecendo uma solução ágil e menos onerosa em comparação a operações tradicionais de equity. No entanto, sua implementação no Brasil exige cautela e uma análise aprofundada dos aspectos jurídicos, em razão da ausência de uma regulamentação específica e das possíveis implicações na estrutura societária da empresa.
Para que o SAFE se consolide como uma alternativa segura tanto para investidores quanto para startups, é imprescindível que o instrumento seja adaptado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio de uma redação contratual robusta e a adoção de práticas de governança que mitiguem os riscos inerentes à conversão futura. Dessa forma, o SAFE poderá contribuir para o desenvolvimento do ecossistema de inovação, facilitando o acesso ao capital necessário para o crescimento de empresas inovadoras no país.