Crime Cibernético e Estelionato Digital
7 de nov. de 2023
Crime Cibernético e Estelionato Digital: Desafios na Aplicação da Lei 14.155/2021
1. Introdução
Com o avanço da tecnologia e a crescente digitalização das relações sociais e econômicas, os crimes cibernéticos tornaram-se uma das maiores preocupações da atualidade. O estelionato digital, em especial, tem sido amplamente praticado por criminosos que utilizam meios eletrônicos para fraudar e obter vantagens ilícitas. A prática inclui golpes como phishing, falsificação de perfis em redes sociais, fraudes bancárias online e golpes de engenharia social.
Diante do aumento desses crimes e da necessidade de maior rigor na punição, o Brasil aprovou a Lei 14.155/2021, que alterou o Código Penal para agravar as penas do estelionato cometido por meio eletrônico. Essa legislação trouxe inovações significativas, mas sua aplicação ainda enfrenta desafios, principalmente em relação à identificação dos criminosos, cooperação internacional e adequação do sistema processual às novas formas de criminalidade digital.
Este artigo analisa os principais desafios na aplicação da Lei 14.155/2021, destacando as dificuldades enfrentadas pelo Judiciário e pelas autoridades policiais no combate ao estelionato digital.
2. O Estelionato Digital e as Inovações da Lei 14.155/2021
2.1. O Estelionato no Código Penal
O estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, ocorre quando alguém obtém vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.
A fraude digital se encaixa nesse conceito quando o criminoso utiliza meios eletrônicos, redes sociais, e-mails ou aplicativos de mensagens para enganar as vítimas e obter dinheiro, bens ou informações sensíveis.
2.2. Alterações Introduzidas pela Lei 14.155/2021
A Lei 14.155/2021, sancionada em 27 de maio de 2021, trouxe mudanças importantes ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, agravando as penas para crimes cibernéticos, especialmente o estelionato digital. As principais alterações foram:
• Criação da Modalidade Qualificada do Estelionato Digital
O artigo 171, § 2º-A, passou a prever pena de 4 a 8 anos de reclusão e multa quando o estelionato for cometido por meio eletrônico ou qualquer outro mecanismo que dificulte a identificação do autor. Antes da lei, a pena era de 1 a 5 anos.
• Agravante para Crimes Contra Idosos ou Pessoas Vulneráveis
Se o crime for cometido contra idosos ou pessoas vulneráveis, a pena pode ser aumentada de 1/3 a 2/3, visando proteger grupos mais suscetíveis a fraudes digitais.
• Competência da Justiça Estadual e Federal
A lei estabelece que os crimes praticados pela internet podem ser de competência federal, especialmente quando envolvem fraudes bancárias online ou violação de sistemas informatizados de instituições financeiras.
Essas mudanças representaram um avanço no combate ao estelionato digital, tornando a punição mais rigorosa e adequada à realidade dos crimes cibernéticos.
3. Os Principais Desafios na Aplicação da Lei 14.155/2021
Apesar dos avanços trazidos pela nova legislação, a aplicação prática da Lei 14.155/2021 enfrenta obstáculos significativos. Os principais desafios incluem a identificação dos criminosos, a falta de estrutura tecnológica das autoridades, a cooperação internacional e a dificuldade na recuperação de valores subtraídos.
3.1. Dificuldade na Identificação dos Criminosos
Um dos principais desafios no combate ao estelionato digital é a dificuldade de rastrear os autores do crime. Criminosos utilizam redes privadas virtuais (VPNs), perfis falsos, números de telefone não registrados e criptomoedas, dificultando a localização e identificação.
Além disso, muitos golpes são aplicados por organizações criminosas internacionais, o que exige um esforço conjunto entre países para rastrear os envolvidos e garantir sua responsabilização.
3.2. Falta de Estrutura Tecnológica das Autoridades
As polícias Civil e Federal ainda enfrentam limitações técnicas para investigar crimes cibernéticos. Muitas delegacias especializadas em crimes virtuais sofrem com a falta de recursos, capacitação de agentes e equipamentos adequados para rastrear transações ilícitas e interceptar comunicações suspeitas.
Além disso, o uso de inteligência artificial e big data ainda é incipiente no Brasil, dificultando a análise rápida e eficiente dos golpes digitais.
3.3. Cooperação Internacional
Grande parte dos crimes digitais ultrapassa as fronteiras nacionais. Muitos criminosos operam de outros países, explorando jurisdições com legislações mais brandas ou com dificuldade de cooperação jurídica internacional.
A Lei 14.155/2021 prevê que crimes cibernéticos podem ser julgados pela Justiça Federal, o que facilita acordos de cooperação com outros países. No entanto, tratados internacionais e a burocracia na obtenção de dados de empresas estrangeiras ainda são obstáculos para investigações eficientes.
3.4. Dificuldade na Recuperação de Valores Subtraídos
Mesmo quando o criminoso é identificado, recuperar os valores roubados é um desafio. Muitos golpistas transferem rapidamente os valores obtidos para contas de terceiros, criptomoedas ou utilizam esquemas de lavagem de dinheiro, tornando difícil a restituição dos bens às vítimas.
O Brasil precisa avançar em mecanismos de bloqueio imediato de transações suspeitas, semelhante ao que já ocorre em países como os Estados Unidos e o Reino Unido.
4. Medidas para o Aperfeiçoamento da Lei e das Investigações
Para que a Lei 14.155/2021 seja plenamente eficaz, algumas medidas são essenciais:
• Investimento em Capacitação e Tecnologia
O fortalecimento das delegacias especializadas e o treinamento de agentes em cibersegurança são fundamentais para o combate eficiente ao estelionato digital.
• Maior Cooperação entre Instituições Financeiras e Autoridades Policiais
Bancos, operadoras de cartões e empresas de tecnologia devem cooperar de forma mais ágil com as investigações, fornecendo dados sobre transações suspeitas de forma célere.
• Ampliação de Acordos de Cooperação Internacional
O Brasil precisa fortalecer sua participação em tratados internacionais contra crimes cibernéticos, como a Convenção de Budapeste, para facilitar o compartilhamento de informações e extradição de criminosos.
• Criação de Mecanismos de Bloqueio e Restituição de Valores
A implementação de um sistema que permita o bloqueio imediato de transferências suspeitas, semelhante ao “chargeback” de cartões de crédito, pode reduzir os prejuízos das vítimas.
5. Conclusão
A Lei 14.155/2021 representou um avanço no combate ao estelionato digital e crimes cibernéticos, aumentando as penas e facilitando a atuação da Justiça Federal. No entanto, sua aplicação ainda enfrenta desafios, como a dificuldade de identificação dos criminosos, a falta de estrutura tecnológica das autoridades e a necessidade de maior cooperação internacional.
Para que a legislação seja eficaz, é fundamental o investimento em capacitação das forças de segurança, aprimoramento da cooperação entre bancos e autoridades e criação de mecanismos ágeis para bloqueio de valores. Somente com ações coordenadas será possível combater os golpes digitais e proteger os cidadãos de fraudes cada vez mais sofisticadas no ambiente virtual.