A Responsabilidade Civil por Atos de Terceiros em Plataformas Digitais
11 de set. de 2019
A Responsabilidade Civil por Atos de Terceiros em Plataformas Digitais
1. Introdução
O avanço da tecnologia e a popularização das plataformas digitais trouxeram novas discussões no campo do Direito Civil, especialmente no que se refere à responsabilidade civil por atos de terceiros. Empresas como redes sociais, marketplaces, aplicativos de transporte e serviços de hospedagem funcionam como intermediárias entre usuários, o que levanta questionamentos sobre sua responsabilidade jurídica em casos de ilícitos cometidos por terceiros.
Este artigo analisa a responsabilidade civil das plataformas digitais, sua natureza jurídica, as principais decisões judiciais sobre o tema e os desafios na regulamentação desse setor no Brasil.
2. Conceito e Natureza da Responsabilidade Civil das Plataformas Digitais
A responsabilidade civil pode ser objetiva (independe de culpa, baseada no risco da atividade) ou subjetiva (quando há necessidade de comprovação de dolo ou culpa). No caso das plataformas digitais, a questão central é determinar se elas devem ser responsabilizadas pelos atos ilícitos praticados por seus usuários e, em caso afirmativo, em que condições.
A legislação brasileira não prevê um regime único de responsabilidade para todas as plataformas digitais. Assim, a análise deve ser feita conforme o tipo de serviço prestado e a natureza da infração cometida.
3. Marcos Legais Aplicáveis
3.1. Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)
O Marco Civil da Internet estabelece regras fundamentais para a responsabilidade dos provedores de aplicação na internet. Seu artigo 19 prevê que plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros se não removerem o material após ordem judicial específica.
Essa norma tem sido utilizada pelos tribunais para afastar a responsabilidade automática das plataformas por postagens ofensivas, conteúdos ilegais e fake news.
3.2. Código Civil (Lei nº 10.406/2002)
O artigo 186 do Código Civil estabelece que quem causa dano a outra pessoa deve repará-lo. No entanto, para que uma plataforma digital seja responsabilizada, é necessário comprovar culpa ou dolo, salvo quando há responsabilidade objetiva prevista em lei.
O artigo 927 do Código Civil também prevê a responsabilidade objetiva em atividades de risco, argumento utilizado para responsabilizar plataformas que lucram com a intermediação de serviços.
3.3. Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990)
Quando a plataforma atua como fornecedora de serviços ao consumidor, pode ser aplicada a responsabilidade objetiva do CDC. Isso ocorre, por exemplo, em casos de fraudes em marketplaces, quando a plataforma não adota medidas adequadas de segurança.
4. Modalidades de Responsabilidade Civil das Plataformas
4.1. Responsabilidade por Conteúdo Publicado por Terceiros
Plataformas de redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter (X), enfrentam ações judiciais por conteúdos ofensivos, fake news e discurso de ódio.
Posição do Judiciário:
• O STJ já decidiu que plataformas só podem ser responsabilizadas se, após notificação judicial, não removerem o conteúdo ilícito (Resp 1.937.521/SP).
• No entanto, há discussões sobre a necessidade de maior controle prévio, especialmente em casos de discurso de ódio e ataques coordenados.
4.2. Responsabilidade de Marketplaces por Fraudes de Vendedores Terceiros
Marketplaces como Mercado Livre, OLX e Shopee são frequentemente questionados quando consumidores são vítimas de golpes praticados por vendedores terceirizados.
Entendimento do Judiciário:
• Se a plataforma atua apenas como intermediária, sem controle sobre os produtos e transações, geralmente não há responsabilidade objetiva.
• No entanto, se a plataforma se beneficia economicamente das vendas e não adota mecanismos eficazes de segurança, pode ser responsabilizada com base no Código de Defesa do Consumidor.
4.3. Responsabilidade em Aplicativos de Transporte e Hospedagem
Plataformas como Uber e Airbnb também enfrentam questionamentos sobre sua responsabilidade por acidentes, crimes e incidentes envolvendo motoristas e anfitriões cadastrados.
Casos relevantes:
• O STJ já decidiu que o Uber não é responsável automaticamente por crimes cometidos por motoristas, mas pode ser responsabilizado se houver falha na segurança ou omissão na apuração de denúncias (Resp 1.834.398/SP).
• O Airbnb foi condenado em alguns casos nos EUA por permitir o aluguel de imóveis usados para crimes, reforçando a necessidade de políticas de segurança mais rígidas.
4.4. Responsabilidade em Plataformas de Pagamento
Aplicativos como PayPal e PicPay podem ser questionados quando ocorrem fraudes ou golpes financeiros.
Decisões do Judiciário:
• Se a plataforma não adota medidas antifraude eficientes, pode ser responsabilizada com base no CDC.
• Caso haja um mecanismo seguro de pagamento e o golpe ocorra por descuido do usuário, a responsabilidade tende a ser afastada.
5. Jurisprudência e Tendências Regulatórias
5.1. Decisões Importantes
• STJ - Resp 1.937.521/SP: reafirmou que redes sociais não são responsáveis automaticamente por postagens ofensivas, exceto se não removerem o conteúdo após decisão judicial.
• STJ - Resp 1.834.398/SP: estabeleceu que aplicativos de transporte não são empregadores diretos dos motoristas, mas podem ser responsabilizados por omissão em casos de segurança.
• TJ-SP - Apelação 1005124-88.2020.8.26.0004: condenou um marketplace a indenizar um consumidor por fraude praticada por vendedor terceirizado, destacando a falha na segurança da plataforma.
5.2. Propostas de Regulação
No Brasil, há projetos para regulamentar a responsabilidade das plataformas digitais, incluindo:
• Projeto de Lei das Fake News (PL 2.630/2020), que discute a obrigação das plataformas em remover conteúdos ilícitos rapidamente.
• PL sobre responsabilidade de marketplaces, que propõe regras mais rígidas para proteção do consumidor contra fraudes.
A tendência é que a legislação avance para maior proteção dos usuários, sem inviabilizar a inovação e a liberdade de operação das plataformas.
6. Conclusão
A responsabilidade civil das plataformas digitais é um tema complexo, que envolve o equilíbrio entre liberdade de operação, proteção dos usuários e dever de segurança.
Embora o Marco Civil da Internet tenha estabelecido diretrizes importantes, os desafios da era digital exigem aperfeiçoamentos legislativos e maior rigor na fiscalização das plataformas.
Os tribunais brasileiros têm adotado uma postura cautelosa, reconhecendo que as plataformas não podem ser responsabilizadas automaticamente, mas podem responder se houver falha na segurança, omissão na remoção de conteúdos ilícitos ou benefícios econômicos diretos com a atividade lesiva.
Diante disso, é fundamental que as plataformas adotem políticas mais rigorosas de moderação de conteúdo, prevenção de fraudes e segurança dos usuários, garantindo um ambiente digital mais seguro e confiável para todos.