Análise da Função Social da Propriedade no Direito Imobiliário
21 de mar. de 2014
Análise da Função Social da Propriedade no Direito Imobiliário
1. Introdução
A propriedade é um dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988. No entanto, esse direito não é absoluto, devendo atender a sua função social, um princípio essencial no ordenamento jurídico brasileiro.
A função social da propriedade busca equilibrar o interesse privado e o interesse coletivo, garantindo que o uso da propriedade cumpra seu papel na sociedade. No direito imobiliário, essa função se manifesta em diversas áreas, como uso adequado de imóveis urbanos e rurais, combate à especulação imobiliária e garantia do direito à moradia.
Este artigo analisa o conceito de função social da propriedade, sua aplicação no direito imobiliário e os desafios jurídicos e sociais relacionados ao seu cumprimento.
2. Conceito de Função Social da Propriedade
O conceito de função social da propriedade está previsto em diversas normas do ordenamento jurídico brasileiro, sendo um dos princípios fundamentais do direito civil, urbanístico e agrário.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXII e XXIII, assegura o direito à propriedade, mas determina que ela deve atender à sua função social.
Além disso, o artigo 170, III, estabelece que a ordem econômica deve observar a função social da propriedade, e os artigos 182 e 186 especificam critérios para sua aplicação em áreas urbanas e rurais.
2.1. Função Social no Direito Civil
O Código Civil (art. 1.228, §1º) estabelece que o proprietário não pode usar seu imóvel de maneira prejudicial à coletividade. Assim, o direito de propriedade deve ser exercido respeitando interesses sociais e ambientais.
2.2. Função Social no Direito Urbanístico
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) regula o uso do solo urbano e impõe obrigações aos proprietários de imóveis urbanos, como edificação compulsória e IPTU progressivo para imóveis subutilizados.
2.3. Função Social no Direito Agrário
No meio rural, a função social da propriedade é regulada pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) e pela Constituição, que exige que imóveis rurais cumpram requisitos produtivos, ambientais e trabalhistas para evitar desapropriações para reforma agrária.
3. Aplicação da Função Social no Direito Imobiliário
A função social da propriedade se aplica de diversas formas no direito imobiliário, regulando uso, posse, aquisição e desapropriação de imóveis.
3.1. Propriedade Urbana e o Estatuto da Cidade
O Estatuto da Cidade impõe obrigações ao proprietário urbano para evitar a especulação imobiliária e o abandono de imóveis, garantindo o aproveitamento racional do solo.
Os municípios podem adotar medidas como:
• Parcelamento e edificação compulsórios para terrenos vazios;
• IPTU progressivo no tempo, aumentando a tributação sobre imóveis desocupados;
• Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, quando o proprietário não cumprir as regras.
Essas medidas combatem a ociosidade de terrenos e incentivam a construção de moradias para atender ao déficit habitacional.
3.2. Propriedade Rural e a Reforma Agrária
No direito agrário, o descumprimento da função social da propriedade pode levar à desapropriação para fins de reforma agrária.
Segundo o artigo 186 da Constituição, um imóvel rural só cumpre sua função social se atender a quatro requisitos:
1. Aproveitamento racional e adequado da terra;
2. Uso adequado dos recursos naturais e preservação do meio ambiente;
3. Cumprimento da legislação trabalhista com trabalhadores rurais;
4. Promoção do bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
Se um imóvel rural for improdutivo ou degradar o meio ambiente, ele pode ser desapropriado e destinado à reforma agrária.
3.3. Direito à Moradia e Regularização Fundiária
A função social da propriedade também está ligada ao direito à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição.
A regularização fundiária, prevista na Lei nº 13.465/2017, permite que comunidades que ocupam terrenos irregularmente possam obter o direito à propriedade, desde que cumpram uma função social.
Instrumentos como a usucapião urbana e a concessão de uso especial para moradia garantem segurança jurídica para populações de baixa renda.
4. Desafios da Aplicação da Função Social da Propriedade
Apesar das previsões legais, a aplicação da função social da propriedade enfrenta desafios:
4.1. Especulação Imobiliária e Desigualdade Urbana
Em cidades grandes, muitos imóveis ficam abandonados ou sem uso, enquanto milhares de pessoas vivem em ocupações irregulares. A especulação imobiliária dificulta o acesso à moradia e impede o desenvolvimento urbano sustentável.
A aplicação do IPTU progressivo e a desapropriação de imóveis ociosos ainda enfrentam resistência por parte de setores imobiliários.
4.2. Conflitos Fundiários e Reforma Agrária
No meio rural, a desapropriação de terras improdutivas para reforma agrária é um tema politicamente sensível e frequentemente gera conflitos entre proprietários, movimentos sociais e o Estado.
Além disso, a demora na implementação da reforma agrária prejudica a efetivação da função social da terra.
4.3. Regularização Fundiária e Favelização
A regularização fundiária busca garantir a função social da propriedade, mas pode ter efeitos negativos, como a valorização excessiva dos imóveis, levando à expulsão de moradores de baixa renda (gentrificação).
Por isso, o Estado precisa equilibrar regularização e políticas habitacionais acessíveis para evitar o agravamento da desigualdade social.
5. Jurisprudência sobre Função Social da Propriedade
Os tribunais brasileiros têm aplicado o princípio da função social da propriedade em diversas decisões:
• STF - ADI 2.240-DF: O Supremo Tribunal Federal reconheceu que o IPTU progressivo no tempo é constitucional, pois incentiva o uso adequado da propriedade urbana.
• STJ - REsp 1.295.995-SP: O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a posse de imóvel abandonado pode gerar usucapião urbana, reforçando a função social da propriedade.
• TST - RR-22000-43.2007.5.09.0009: O Tribunal Superior do Trabalho determinou que propriedades rurais devem cumprir normas trabalhistas para serem consideradas produtivas.
Essas decisões demonstram que a função social da propriedade não é apenas um princípio abstrato, mas uma diretriz concreta para equilibrar o direito individual e o interesse coletivo.
6. Conclusão
A função social da propriedade é um dos pilares do direito imobiliário brasileiro, garantindo que imóveis urbanos e rurais sejam utilizados de forma produtiva, ambientalmente sustentável e socialmente justa.
No entanto, sua aplicação ainda enfrenta desafios, como a especulação imobiliária, os conflitos fundiários e a desigualdade no acesso à moradia. Para superar essas dificuldades, é necessário um esforço conjunto entre o Estado, a sociedade e o setor privado, garantindo um desenvolvimento urbano e rural equilibrado.
A efetivação desse princípio é essencial para garantir o direito à moradia, a proteção do meio ambiente e a promoção da justiça social no Brasil.