Aspectos Legais da Reprodução Assistida e Maternidade de Substituição
19 de set. de 2013
Aspectos Legais da Reprodução Assistida e Maternidade de Substituição
1. Introdução
A reprodução assistida tem revolucionado o direito de família, possibilitando a gestação para casais com dificuldades reprodutivas, pessoas solteiras e casais homoafetivos. Dentro dessa temática, a maternidade de substituição, conhecida popularmente como barriga de aluguel, é um dos aspectos mais debatidos no ordenamento jurídico brasileiro.
Embora não haja uma legislação específica no Brasil, a matéria é regulamentada principalmente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e interpretada pelo Poder Judiciário em consonância com princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e o planejamento familiar. Este artigo analisa os aspectos legais da reprodução assistida e da maternidade de substituição no Brasil, destacando sua regulamentação, desafios e jurisprudência relevante.
2. Reprodução Assistida no Brasil: Conceito e Regulamentação
2.1. Definição e Técnicas
A reprodução assistida é o conjunto de técnicas médicas que possibilitam a concepção sem que haja relação sexual entre os progenitores. As principais técnicas incluem:
• Fertilização in vitro (FIV) – Fecundação do óvulo em laboratório, com posterior transferência do embrião para o útero.
• Inseminação artificial – Introdução do sêmen no útero ou colo do útero da mulher.
• Maternidade de substituição – Mulher que gesta um embrião para outra pessoa ou casal.
2.2. Regulamentação Pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)
No Brasil, a principal norma que rege a reprodução assistida é a Resolução CFM nº 2.320/2022, que estabelece diretrizes para os procedimentos. Entre as regras, destacam-se:
• Permissão para qualquer pessoa (solteiros, casais heterossexuais e homoafetivos).
• Possibilidade de doação de gametas e embriões, sempre de forma anônima.
• Proibição da comercialização de gametas, embriões e da gestação por substituição.
• Maternidade de substituição apenas para casos excepcionais, sem fins lucrativos.
3. Maternidade de Substituição: Regras e Implicações Jurídicas
3.1. Conceito e Diferença Entre Gestação Tradicional e Substituta
A maternidade de substituição ocorre quando uma mulher gesta um embrião para outra pessoa ou casal. Diferente da adoção, essa gestante não possui vínculo biológico com o bebê, pois o embrião é gerado a partir dos gametas dos pais intencionais ou de doadores.
3.2. Condições para Realização no Brasil
A Resolução CFM nº 2.320/2022 estabelece que a gestação por substituição pode ser realizada apenas nos seguintes casos:
• A mulher interessada não pode gestar por razões médicas (ex.: ausência de útero, doenças graves, risco gestacional elevado).
• A gestante substituta deve ser parente consanguínea até o quarto grau (mãe, irmã, tia, prima).
• Excepcionalmente, pode-se utilizar uma gestante sem laços de parentesco, desde que autorizado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM).
• A prática não pode ter caráter comercial, ou seja, a gestante substituta não pode receber pagamento pelo procedimento, exceto pelo reembolso de despesas médicas.
3.3. Implicações Jurídicas e Registo da Criança
A filiação no Brasil segue o princípio da afetividade e da intenção procriacional, sendo reconhecidos como pais aqueles que planejaram e autorizaram a concepção. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm consolidado o entendimento de que os pais intencionais devem ser reconhecidos como genitores no registro civil da criança.
A Resolução nº 37/2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina que, para registrar a criança gerada por reprodução assistida, não é necessário processo judicial, bastando apresentar a documentação médica e uma declaração do centro de reprodução assistida.
4. Desafios e Lacunas na Legislação
4.1. Ausência de Lei Específica
A regulamentação da reprodução assistida e da maternidade de substituição no Brasil é feita por resoluções do CFM, mas não há uma lei específica que trate do tema. Isso gera insegurança jurídica, especialmente em casos que fogem às regras estabelecidas, como:
• Uso de gestantes substitutas sem grau de parentesco.
• Disputas entre a gestante substituta e os pais intencionais.
• Casos de reprodução assistida póstuma (uso de gametas após a morte de um dos genitores).
4.2. Comercialização e Turismo Reprodutivo
Embora o Brasil proíba a “barriga de aluguel” comercial, a falta de fiscalização pode permitir sua prática clandestina. Em alguns países, como a Ucrânia e os Estados Unidos, a gestação por substituição comercial é permitida, o que leva brasileiros a recorrerem a clínicas internacionais, criando um fenômeno chamado “turismo reprodutivo”.
4.3. Direitos da Gestante Substituta
Apesar da proibição da remuneração, não há legislação clara sobre direitos trabalhistas e previdenciários da gestante substituta. Questões como licença-maternidade, plano de saúde e assistência psicológica ainda carecem de regulamentação específica.
5. Jurisprudência Relevante
5.1. STF – ADI 4.277 e ADPF 132
O STF reconheceu a união estável homoafetiva e garantiu o direito de casais homoafetivos à reprodução assistida, reforçando o princípio da igualdade.
5.2. STJ – Recurso Especial nº 1.593.724/MG
Decisão que permitiu o registro da criança diretamente no cartório em nome dos pais intencionais, sem a necessidade de ação judicial.
5.3. TJSP – Caso de Reprodução Assistida Póstuma
O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o direito de uma viúva utilizar os embriões criopreservados do falecido marido, garantindo a filiação da criança ao pai falecido.
6. Conclusão
A reprodução assistida e a maternidade de substituição são temas de grande relevância no direito de família contemporâneo, permitindo o exercício da parentalidade por diferentes configurações familiares. No entanto, a ausência de uma legislação específica no Brasil gera insegurança jurídica, sendo fundamental a criação de uma norma que regulamente de forma clara os direitos e deveres das partes envolvidas.
Enquanto isso, o Judiciário vem desempenhando um papel essencial na consolidação de entendimentos sobre a filiação e os direitos dos envolvidos. O avanço legislativo, aliado a uma regulamentação mais abrangente, será crucial para garantir a segurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais relacionados à reprodução assistida.
7. Referências
• BRASIL. Constituição Federal de 1988.
• BRASIL. Código Civil de 2002.
• CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.320/2022.
• CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 37/2011.
• STF. ADI 4.277 e ADPF 132.
• STJ. REsp nº 1.593.724/MG.
• TJSP. Caso de Reprodução Assistida Póstuma.