Tutela Jurídica das Famílias Multiespécies

18 de mai. de 2016

Sergio Azevedo Gimenes

Sergio Azevedo Gimenes

Sergio Azevedo Gimenes

A Tutela Jurídica das Famílias Multiespécies

 


1. Introdução

 

A concepção de família tem evoluído ao longo do tempo, refletindo as mudanças culturais e sociais da sociedade. Dentre essas transformações, destaca-se a crescente reconhecimento das famílias multiespécies, ou seja, núcleos familiares que incluem animais de estimação como membros essenciais da dinâmica familiar.

 

A afetividade entre humanos e animais domésticos gerou novas demandas jurídicas, especialmente no âmbito do Direito de Família, do Direito Civil e do Direito Animal. Questões como guarda compartilhada de animais em casos de separação, responsabilidade civil por maus-tratos e direitos sucessórios têm sido cada vez mais debatidas no Judiciário.

 

Este artigo explora o conceito de família multiespécie, sua proteção no ordenamento jurídico brasileiro e os desafios ainda existentes para sua plena tutela legal.


2. O Conceito de Família Multiespécie

 

Família multiespécie é aquela que inclui um ou mais animais de estimação como parte essencial do núcleo familiar, reconhecendo que os laços afetivos entre humanos e animais podem ter um peso semelhante aos das relações humanas.

 

A ideia rompe com a tradicional visão patrimonialista dos animais, que eram tratados apenas como bens móveis pelo Código Civil de 2002. Atualmente, o entendimento majoritário, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, é de que os animais possuem dignidade própria e devem ser tratados como seres sencientes, conforme estabelecido pela Lei nº 14.064/2020, que alterou a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998).


3. A Proteção Jurídica das Famílias Multiespécies no Brasil

 

A legislação brasileira ainda não prevê expressamente a tutela jurídica das famílias multiespécies, mas há avanços importantes na proteção dos animais dentro da estrutura familiar.

 

3.1. O Novo Status Jurídico dos Animais

 

O artigo 225 da Constituição Federal já reconhece os animais como entes merecedores de proteção do Estado, e a Lei nº 14.064/2020 reforçou essa visão ao estabelecer penas mais severas para maus-tratos a cães e gatos.

 

Além disso, o Projeto de Lei nº 27/2018, em tramitação no Congresso Nacional, propõe alterar o Código Civil para reconhecer os animais como seres sencientes e não meros bens, o que fortaleceria ainda mais a proteção jurídica das famílias multiespécies.

 

3.2. Guarda e Convivência de Animais em Casos de Separação

 

Uma das principais controvérsias jurídicas dentro das famílias multiespécies diz respeito à guarda dos animais de estimação em casos de separação ou divórcio. Como os animais ainda não são equiparados a filhos no ordenamento jurídico, a divisão pode ser complexa.

 

Alguns tribunais têm adotado o critério do melhor interesse do animal, semelhante ao que ocorre na guarda de crianças e adolescentes, determinando a guarda compartilhada entre os tutores.

 

Jurisprudência Notável

• O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu a possibilidade de convivência alternada entre os ex-cônjuges e o animal de estimação, destacando que a afetividade deve prevalecer sobre a visão patrimonialista.

• Tribunais estaduais, como o TJ-SP e o TJ-RJ, têm decidido a favor da guarda compartilhada ou unilateral, analisando qual das partes tem melhores condições de cuidar do animal.

 

3.3. Direito à Sucessão e Herança

 

Outro tema relevante é a inclusão dos animais de estimação como beneficiários em testamentos. O Código Civil não permite que animais sejam herdeiros diretos, mas algumas soluções vêm sendo adotadas, como:

• Criação de fideicomissos ou fundos patrimoniais para custear os cuidados do animal após a morte do tutor.

• Nomeação de um curador ou administrador para zelar pelos interesses do animal conforme as instruções deixadas pelo falecido.

 

Nos Estados Unidos e na Europa, essa prática já é mais consolidada, e há expectativa de que o Brasil avance nessa direção com futuras reformas legislativas.

 

3.4. Responsabilidade Civil e Penal por Maus-Tratos e Abandono

 

A proteção dos animais nas famílias multiespécies também envolve questões de responsabilidade civil e penal.

• No âmbito civil, tutores podem ser responsabilizados por negligência ou abandono, podendo ser obrigados a pagar indenizações por danos morais e materiais.

• No âmbito penal, a Lei de Crimes Ambientais prevê penas de até 5 anos de reclusão para casos de maus-tratos contra cães e gatos.


4. Desafios para a Tutela Jurídica das Famílias Multiespécies

 

Apesar dos avanços, há desafios para o reconhecimento e proteção plena das famílias multiespécies no Brasil:

1. Falta de legislação específica – A ausência de normas expressas sobre a guarda de animais, direitos sucessórios e reconhecimento formal das famílias multiespécies gera insegurança jurídica.

2. Visão patrimonialista ainda presente no Código Civil – O tratamento dos animais como bens móveis ainda persiste, dificultando o avanço de sua proteção no Direito de Família.

3. Dificuldade na aplicação do melhor interesse do animal – A ausência de critérios legais objetivos para definir a guarda do animal pode gerar decisões conflitantes entre tribunais.

4. Falta de políticas públicas para apoio a famílias multiespécies – Adoção responsável, assistência veterinária pública e abrigos para animais de tutores falecidos ou em vulnerabilidade ainda são questões negligenciadas pelo Estado.


5. Conclusão

 

A tutela jurídica das famílias multiespécies é um tema em ascensão no Brasil, refletindo a mudança na relação entre humanos e animais. Embora ainda não haja uma legislação específica para reconhecer essa estrutura familiar, decisões judiciais e projetos de lei já demonstram avanços importantes.

 

Para garantir uma proteção mais efetiva, é essencial:

• Alterar o Código Civil para reconhecer os animais como seres sencientes.

• Criar normas sobre guarda e convivência de animais em separações.

• Facilitar a inclusão de animais em disposições sucessórias.

• Fortalecer políticas públicas de bem-estar animal.

 

O reconhecimento jurídico das famílias multiespécies não é apenas uma questão legislativa, mas um reflexo da evolução da sociedade e da importância dos laços afetivos entre humanos e seus animais de estimação.


6. Referências

• BRASIL. Constituição Federal de 1988.

• BRASIL. Código Civil (Lei nº 10.406/2002).

• BRASIL. Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998, alterada pela Lei nº 14.064/2020).

• PROJETO DE LEI Nº 27/2018. Altera o Código Civil para reconhecer os animais como seres sencientes.

• JURISPRUDÊNCIA: STJ, REsp 1.713.167/SP, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, 2018.

 

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