O Direito ao Esquecimento na Internet e os Limites da Liberdade de Informação
18 de out. de 2014
O Direito ao Esquecimento na Internet e os Limites da Liberdade de Informação
1. Introdução
Com a ascensão da internet e das redes sociais, a disseminação de informações tornou-se instantânea e de difícil controle. Nesse contexto, surge o direito ao esquecimento, conceito que busca permitir que indivíduos não sejam indefinidamente vinculados a fatos passados que possam causar prejuízos à sua imagem ou privacidade.
Por outro lado, a liberdade de informação é um pilar fundamental da democracia e do direito de acesso à verdade histórica. Assim, o grande desafio jurídico é equilibrar esses dois direitos, garantindo a proteção da dignidade humana sem comprometer a transparência e o direito à informação.
Este artigo analisa o direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, suas aplicações práticas e os limites impostos pela liberdade de expressão e informação.
2. Conceito e Origem do Direito ao Esquecimento
O direito ao esquecimento refere-se à possibilidade de uma pessoa impedir que informações desatualizadas ou irrelevantes sobre sua vida sejam expostas publicamente, especialmente quando essas informações não possuem mais interesse social.
O conceito ganhou força com o Caso Costeja v. Google (2014), julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no qual se determinou que motores de busca podem ser obrigados a remover links que prejudiquem indevidamente a reputação de uma pessoa.
No Brasil, a discussão ganhou notoriedade com casos de pessoas que tiveram seu passado criminal ou eventos privados amplamente divulgados pela mídia, mesmo anos depois de sua ocorrência.
3. Direito ao Esquecimento no Ordenamento Jurídico Brasileiro
3.1. Ausência de Previsão Legal Específica
O Brasil não possui uma lei específica sobre o direito ao esquecimento, mas ele é frequentemente discutido à luz dos princípios constitucionais, como:
• Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88)
• Direito à privacidade e à intimidade (art. 5º, X, da CF/88)
• Proteção da honra e da imagem (art. 5º, V e X, da CF/88)
Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) trouxe o conceito de eliminação de dados pessoais a pedido do titular, o que pode ser interpretado como um mecanismo de direito ao esquecimento.
3.2. Julgamento do STF (Tema 786)
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 1.010.606 (Tema 786), firmou a tese de que o direito ao esquecimento não é aplicável no Brasil, pois violaria a liberdade de imprensa e o direito à informação.
O STF entendeu que, apesar da necessidade de proteger a honra e a privacidade dos indivíduos, a remoção de informações históricas poderia configurar censura e restringir o acesso à verdade histórica.
Contudo, o STF ressaltou que casos específicos podem justificar restrições, especialmente quando há abuso na exposição de fatos que causem sofrimento desnecessário à vítima.
4. O Conflito com a Liberdade de Informação
A liberdade de expressão e informação (art. 5º, IX e XIV, da CF/88) é um direito fundamental e um dos pilares da democracia. A ampla divulgação de informações garante transparência, controle social e preservação da memória coletiva.
O grande desafio é estabelecer limites entre a proteção da imagem individual e o direito coletivo à informação. Algumas situações exemplificam esse dilema:
1. Reportagens sobre crimes passados – Deve uma pessoa condenada por um crime ter seu nome vinculado eternamente a esse fato, mesmo após cumprir sua pena?
2. Divulgação de processos judiciais antigos – Documentos públicos podem ser removidos de mecanismos de busca se perderem o interesse social?
3. Exposição de dados pessoais em redes sociais – A pessoa tem direito de exigir a exclusão de fotos ou notícias antigas que comprometam sua reputação?
A resposta a essas questões depende do contexto e da ponderação entre os direitos individuais e coletivos.
5. Aplicações Práticas e Decisões Relevantes
5.1. Caso Aída Curi
No Brasil, um dos casos mais emblemáticos sobre direito ao esquecimento envolveu Aída Curi, uma jovem assassinada em 1958. Décadas depois, a TV Globo exibiu um programa detalhando o crime, o que levou familiares a pedirem a remoção do conteúdo.
O caso chegou ao STF, que negou o pedido, afirmando que o direito ao esquecimento não poderia ser aplicado de maneira ampla, pois afetaria a liberdade de imprensa.
5.2. Decisões sobre Remoção de Dados Pessoais na Internet
Mesmo com a decisão do STF, há casos em que tribunais brasileiros determinam a remoção de conteúdos que violem a dignidade da pessoa.
• O STJ já decidiu que sites podem ser obrigados a remover informações falsas ou desatualizadas que causem danos morais ao indivíduo.
• O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que um buscador removesse links com informações sensíveis de um ex-presidiário que já havia cumprido sua pena, pois não havia interesse público na manutenção dessas informações.
Esses casos mostram que, embora o STF tenha afastado a tese ampla do direito ao esquecimento, os tribunais ainda reconhecem situações específicas que exigem restrição da divulgação de informações.
6. O Papel da LGPD na Proteção de Dados Pessoais
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trouxe novas regras sobre o tratamento de informações pessoais e abriu caminhos para a aplicação do direito ao esquecimento no Brasil.
O artigo 18 da LGPD estabelece que o titular dos dados pode solicitar a eliminação de informações desnecessárias ou excessivas, especialmente quando não houver mais justificativa para o armazenamento.
Isso pode ser interpretado como uma forma limitada de direito ao esquecimento, pois permite a remoção de dados pessoais quando não há mais interesse legítimo no seu tratamento.
7. Conclusão
O direito ao esquecimento é um tema controverso e ainda em evolução no Brasil. Apesar de o STF ter afastado sua aplicação ampla, os tribunais continuam analisando casos concretos para garantir a proteção da dignidade e privacidade dos indivíduos.
Por outro lado, a liberdade de informação e expressão precisa ser preservada para evitar a censura e garantir o direito da sociedade ao acesso a informações relevantes.
Diante desse cenário, o grande desafio é encontrar um equilíbrio que proteja o indivíduo sem comprometer o direito coletivo à informação, assegurando que a internet continue sendo um espaço de liberdade, mas também de responsabilidade.